Educação superior: frustações & avaliação
No Blog da Reitoria da semana finda abordei o assunto e prometi voltar a ele esta semana.
Trata-se de artigo publicado pelo Estadão sobre frustrações na educação superior, em relação a empresas, egressos de cursos de graduação etc. Como informei na postagem anterior, tenho lido e, às vezes, comentado sobre artigos, ensaios, manifestações em congressos pelo mundo afora a respeito do futuro da educação superior. Dois temas que, realmente, devem merecer a atenção e ser tratado em permanente diálogo entre os que atuam nessa área: estudantes, gestores, professores e a sociedade de um modo geral.
Abordei aspectos relevantes sobre a aplicação da Inteligência Artificial (IA) e, em geral, das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) absorvidas pelas instituições de educação superior (IES). Agora as principais frustrações apontadas no referido artigo: disfunções socioeconômicas e educacionais; evasão acadêmica – pesquisa do Instituto Semesp acusam que as empresas descartam cerca de 55% de seus empregadas, por vários motivo, e na evasão nas instituições de educação superior (IES) acontece o mesmo porcentual; dificuldades de adaptação dos egressos dos cursos de graduação às transformações do mundo e dos cursos/profissões escolhidas, após a diplomação; escolha profissional precoce; cursos técnicos e tecnológicos excessivamente teóricos, sem estágios regulares em situações reais de trabalho na área do curso; ensino médio público com fragilidades que, em parte, justificam a evasão da maioria dos estudantes em nível superior.
Afirmei então que as universidades públicas, por terem uma estrutura burocrática mastodôntica têm mais dificuldades de adaptação às mudanças radicais que estão ocorrendo no planeta. Mas existem IES da livre iniciativa tradicionais que continuam ignorando essas transformações, onde as teorias têm prevalência sobre as práticas laboratoriais e os ambientes de prática profissional.
O estágio supervisionado, quando obrigatório pelas diretrizes curriculares nacionais (DCNs) ou pelo Projeto Pedagógico do (PPC), na maioria dos cursos superiores de tecnologia (CSTs) e de licenciaturas, nem sempre coloca o futuro egresso em ambientes reais de trabalho nas licenciaturas, as comissões avaliadora do Inep geralmente não dão valor a uma visita às escolas que aceitam estagiário, como se faz regularmente nos cursos de medicina, enfermagem, odontologia e similares da área da Saúde. Penso que o Inep deve atuar, decisivamente, na capacitação de consultores ad hoc.
A escolha precoce do curso de jovens com 17/18 anos de idade. Pede-se testes vocacionais. Não creio que esses testes sejam realmente importantes, mas podem ser, em alguns casos, parte da justificativa da evasão acadêmica. Contudo, ainda não foi realizada uma pesquisa com amplo diagnóstico desse aspecto e estratégias eficientes e eficazes para superar essa questão ou, pelo menos, reduzi-la drasticamente. Não quero dizer evasão zero, mas não muito distante das estatísticas de países avançados na educação superior, como a Coreia do Sul, por exemplo, e a os países baixos.
As disfunções socioeconômicas, no artigo “Desigualdades socioeconômicas: conceitos e problemas de pesquisa”, de Antonio David Cattani, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), são resumidas em seus aspectos principais:
“O tema das desigualdades socioeconômicas é abordado, via de regra, considerando-se o “pólo pobreza” desvinculado das dimensões relacionais com o “pólo riqueza”. A desmedida que caracteriza este último é decorrente de processos multifacetados levando ao surgimento de complexas formas de apropriação e de fruição privada da riqueza produzida socialmente. A retomada do debate em termos de classes sociais e a elaboração de novos conceitos tornam-se necessárias para que a Sociologia possa apreender as consequências do processo em curso sobre o conjunto da sociedade, entre eles, riqueza substantiva, personificação da riqueza e classes de fruição. Ao mesmo tempo, é mister reconhecer a existência de impedimentos materiais objetivos e de preconceitos que precisam ser superados para se possa avançar na produção de conhecimento crítico acerca da divisão da sociedade em classes sociais e das formas de poder e das modalidades de subordinação”.
O sistema, programa ou processo de avaliação das disfunções socioeconômicas deve ser alterado para atender, especificamente, aos objetivos da educação, em todos os níveis e graus. Sem isso, teremos sempre a dificuldade de aceitar uma avaliação baseada nos princípios apontados no citado artigo.
As disfunções acadêmicas atingem discentes e docentes. Na revista digital “Formação Docente” o artigo “Doenças e/ou disfunções ocupacionais no meio docente: uma revisão de literatura”, uma revisão da literatura sobre o assunto, de autoria de Lidiane de Paiva Mariano Baião e Rodrigo Gontijo Cunha tem foco nessa questão. Eles concluem que “entre as atividades ocupacionais, a docência é uma atividade remunerada que apresenta uma série de conteúdos cognitivos, efetivos e instrumentais, que interferem na qualidade de vida/saúde” desses profissionais da educação.
Informa que foram usados trinta artigos publicados entre 2000 e 2012. Neles, “o estresse e exaustão emocional foram os distúrbios mais citados com 33,3% respectivamente, correspondendo ambos a 20 artigos. A carga horária elevada foi o determinante de saúde mais citado na literatura 63,3% correspondendo a 19 artigos. Percebe-se que o processo de adoecimento do professor está relacionado a vários fatores como carga horária elevada, postura inadequada, sedentarismo, dupla jornada e à forma como a atividade de docência é realizada”.
As disfunções docentes, em alguns casos, dependem da IES, em outros, dos professores. Os gestores acadêmicos são capazes de identificar e disciplinar esses distúrbios ocupacionais e encaminhar a solução de cada caso.
Creio, porém, que a disfunção de discentes e docentes deve ter a participação da família e da gestão das IES. Essas disfunções são muito complexas para serem tratadas sem o envolvimento desses dois grupos, o familiar e o acadêmico. A maioria das IES tem setores destinados ao apoio psicopedagógico de discente, docente e dos auxiliares, que devem ser conduzidos com a participação de profissionais com habilidade para enfrentarem e superarem essas disfunções ou distúrbios.
As disfunções socioeconômicas e educacionais não se esgotam num simples artigo, devem ser objeto de pesquisas específicas, conduzidas pelas entidades que agregam as IES, como associações e sindicatos, com a participação da comunidade acadêmica, adequadamente qualificadas para que o diagnóstico possa ser perfeitamente adequado para a construção de estratégias e ações no sentido de corrigir essas disfunções.
O assunto continua aberto ao diálogo.