Blog do Prof. Dr. Paulo Cardim nº 584, 05 de junho de 2023

Aprendizagem híbrida & regulação

A educação superior, pós-pandemia, enfrenta alguns desafios, parte deles nos atos de regulação e avaliação conduzidos pelo Ministério da Educação, com a participação de órgãos colegiados e, principalmente, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep.

O ensino presencial sofreu durante a pandemia, com a decisão política do “fique em casa”, manipulados pelos sistemas de ensino. Escolas públicas ficaram totalmente fechadas entre 2020 e 2021, incluindo universidades.

Paralelamente, as instituições de educação superior (IES) mantidas pela livre iniciativa buscaram alternativas, como o ensino remoto, ministrado em tempo real para os matriculados nos diversos cursos superiores presenciais. As IES particulares, entre 2020 e 2021, não fecharam as suas portas. Trabalharam com o “trem” acadêmico em movimento. As IES que estavam credenciadas para a oferta da educação a distância (EAD) tiveram mais facilidade nesse período, por disporem de plataformas adequadas para absorverem os estudantes do ensino presencial e pessoal capacitado para essa modalidade de ensino.

Surgem, nessa época, as propostas de ensino híbrido ou semipresencial, permitido desde o governo FHC, variando, ao longo dos anos, do percentual, de 20 a 40% da carga horária total de cada curso de graduação. Este, o percentual vigente neste 2023.

Mas aí surgem algumas IES particulares oferecendo cursos híbridos, como uma forma “revolucionária” de oferta para os cursos de graduação presenciais. Por outro lado, surgem os adeptos de regulação de tudo, no âmbito do Conselho Nacional de Educação (CNE) e em outros órgãos executivos do MEC. Em nosso entendimento, caso seja tomado como uma metodologia ativa, como muitos preferem, o ensino híbrido estaria entre a autonomia didático-pedagógica das IES, de faculdades às universidades. Caso, contudo, seja considerado como mais uma modalidade de ensino, poderia se inserir em quadro de regulação. Do qual discordo integralmente.

Pelo aspecto do marketing educacional, o uso do advérbio híbrido parece uma estratégia de marketing para a atração de alunos que não estão familiarizados com a terminologia e a legislação e normas educacionais.

A publicidade de cursos presenciais e cursos híbridos por IES particulares, contudo, chamou a atenção dos “reguladores”. Fato que gerou uma proposta que circulou pela internet para a educação superior. Na Câmara dos Deputados, a deputada Luisa Canziani (PTB-PR) apresentou o Projeto de Lei nº 2497/2021, que prevê que as escolas poderão adotar no ensino médio a educação híbrida, “caracterizada por momentos presenciais e remotos com integração de tecnologias. Além de ampliar para a educação infantil e o ensino fundamental nos “períodos de emergência”. Pelo projeto, fica claro que é o tradicional ensino semipresencial levado à educação básica. (gn)

O art. 7º do referido PL pretende que o inciso VI, § 11 do art. 36 da LDB passe a vigorar com a seguinte redação: “Art.36[…] VI – cursos realizados por meio de educação a distância, educação presencial ou educação híbrida, mediada por tecnologias.” (NR)

A parlamentar justifica a sua proposta: “A pandemia de Covid-19 impôs soluções como a educação híbrida, que não se confunde com a educação a distância, pois supõe a complementariedade dos momentos em casa e na sala de aula”. (gn)

A deputada professora Dorinha Seabra Rezende foi designada relatora. Nessa qualidade, apresentou substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.497, de 2021, que dispõe sobre a oferta de aprendizagem híbrida na educação básica e superior, esta tendo por base a proposta de diretrizes gerais sobre a aprendizagem híbrida, elaborada pelo CNE.

O art. 2º trata da aprendizagem híbrida como uma metodologia pedagógica “que contempla a interação de atividades presenciais e não presenciais entre estudantes e docentes na própria instituição de ensino, bem como práticas remotas e diversificadas atividades de aprendizado”. O tradicional ensino semipresencial é, na proposta, inserido nos atos de regulação. A burocracia estatal esquece a razoabilidade que devem ter leis, decretos e demais normas administrativas praticadas na Administração Pública Federal.

Na educação superior, a relatora teve a “cautela” de possibilitar a aprendizagem híbrida, “desde que prevista nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação e pós-graduação”. Proposta que revela o desconhecimento da relatora na formulação dos projetos de mestrado de doutorado, por exemplo. Nesse nível de ensino, extensivo aos cursos lato sensu, como a especialização, não há diretrizes curriculares nacionais fixadas pelo CNE. Por outro lado, a inclusão de obrigatoriedade da aprendizagem híbrida ser inserida nas DCNs, inviabiliza o hibridismo em todos os cursos de graduação, cujas DCNs foram fixadas. O CNE terá que rever sua metodologia nesse aspecto. O Poder Público tem um princípio: complicar o simples. No ensino superior, a regulação é o objeto de desejo dos tomadores de decisão. E esses atos são praticados à margem da lei, ferindo os “princípios de legalidade”. São notas técnicas, portarias em todos os níveis do MEC, além de resoluções dos órgãos colegiados.

A criatividade e inovação na educação superior tem dois inimigos: IES arraigadas às tradições, ao que “deu certo no passado”, e “objeto de desejo” dos que se arvoram em “legisladores” no âmbito administrativo, quando se confunde as normas administrativas com leis. Chega-se, às vezes, ao cúmulo de decretos e notas técnicas revogarem dispositivos de leis. A nota técnica que criou o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC), em 2077, é um exemplo gritante. Criou dois “indicadores de qualidade” em substituição ao Conceito de Curso (CC) e Conceito Institucional (CI), determinados pela Lei do Sinaes.

É bem provável que esse substitutivo jamais seja transformado em lei. Está em fase de tramitação inicial na Câmara dos Deputados e depende da aprovação do Senado e da homologação presidencial. Não me parece ter fôlego para tanto. Vamos acompanhar a evolução desse tema.

Parodiando o general Pompeu, por volta de 70 a.C., autor da célebre frase “Navegar é preciso, viver não é preciso”, podemos afirmar que a “educar é preciso; hibridismo não é preciso” …