Realidade social X previsões sobre educação superior
Os artigos e demais textos de futurologia sobre a educação superior estão centrados na evolução tecnológica aplicada ao processo ensino-aprendizagem, com raras exceções. A realidade social e econômica do Brasil é, geralmente, ignorada ou subestimada.
A pobreza, o analfabetismo funcional, o alto índice de desemprego, o período sombrio por que passa a democracia e o estado de Direito em nosso país estão ao largo das previsões sobre o futuro da educação superior por aqui.
A educação superior pública é insuficiente para atender à demanda dos estudantes oriundos de famílias abaixo da ou no nível de pobreza. O Poder Público é incompetente orçamentária, financeira e tecnicamente para atender a um público que não tem a mínima condição de custear os seus próprios estudos.
Foram criados, no passado, dois programas para atender a essas pessoas, como financiamento estudantil, há anos representado pelo Fies, e o Universidade para todos – Prouni. Este, uma bolsa de estudos. Aquele, empréstimo. Ambos têm decaído na demanda. O primeiro por ser um empréstimo basicamente garantido pelas instituições de educação superior (IES) mantidas pela livre iniciativa. Atualmente, as IES que participam do Fies não têm nenhuma segurança sobre o recebimento dos encargos sociais, tendo em vista o complexo cálculo sobre a contribuição para o “fundo garantidor”, além da falta de transparência. Há casos de nenhuma transferência de recursos às IES, mas os estudantes fizeram o empréstimo e devem pagar, na forma da lei.
Recente pesquisa do Semesp junto às IES do Estado de São Paulo revela que, em 2014, o porcentual de ingressantes com Fies em relação ao total de novos alunos era de 21%. Em 2021, esse porcentual cai vertiginosamente para 0,9%. Nos últimos três anos, nem 50% das vagas ofertadas pelo Fies foram preenchidas. Não há demanda. Por quê?
O aluno que recorre ao Prouni não vai restituir o valor da bolsa obtida, mas terá, ao longo do curso superior, outras despesas, como material indispensável aos estudos, livros, smartphones, tablets, transporte, alimentação etc. Esse é o mesmo problema dos alunos que obtiveram empréstimo pelo Fies, além pagarem as prestações, após a diplomação, não têm nenhuma garantia de emprego ou financiamento para implantar seu próprio negócio.
Acresce a esse fator, a duvidosa qualidade da educação básica ofertada pelos milhares de sistemas de ensino públicos aos seus usuários. Há exceções, como em todos os casos onde há erros e acertos.
Creio que a formação de políticas, estratégias e ações públicas que tenham por objetivo elevar a matrícula e a produtividade da educação superior em níveis de “primeiro mundo” é a urgência destes tempos no conturbado cenário da política e governança brasileiras. Esse cenário é agravado pela interferência, à margem da Constituição, de um Poder sobre os demais. Enquanto o art. 2º da Constituição determina que os Poderes da União − Legislativo, o Executivo e o Judiciário – são “independentes e harmônicos entre si”, essa independência e harmonia parecem estar sendo diluídas, dissolvidas, sistematicamente.
O futuro da educação superior brasileira, sustentado pelas organizações da livre iniciativa, com ou sem fins lucrativos, não pode ser medido com os mesmos métodos de países onde a miséria foi erradicada e o analfabetismo funcional reduzido a níveis baixíssimos. Isso pode ser realizado com futurologia contando, pelo menos, com três cenários. Aí os economistas podem colaborar, desde que submissos ao conceito de educação pública de qualidade na educação básica. Na educação superior pública visualizamos maiores dificuldades. A catequese ideológica, além de uma educação em que o seu líder máximo não representa, absolutamente, o pensamento da maioria dos educadores brasileiros, é obstáculo para uma educação superior de qualidade, onde a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (Art. 205, inciso II da Constituição) estão submissos a ideologias estranhas à maioria de cristãos, filiados às várias denominações católica e protestante, além dos neopentecostais.
Recente pesquisa da FGV, demonstra que cerca de 97% de cristãos compõem a sociedade brasileira, enquanto os não cristãos giram em torno de 3%. No mesmo saco de gatos está a minoria de ateus, que reza pela cartilha do marxismo/leninismo.
O ateísmo, que perpassa o arcabouço da militância ideológica, destrói os valores éticos cristãos, raiz da educação familiar. Valores que a militância ignora, fato que influi na qualidade da educação pública ministrada. Esse desastre educacional desemboca na educação superior particular, porque a maioria dos estudantes das IES públicas vem da classe média ou média alta.
A previsão sobre o futuro da educação superior é bem-vinda, mas o componente “realidade social brasileira” há que compor esse quadro, caso contrário o prognóstico será capenga, carente do real conhecimento e domínio dos caminhos a seguir.