Blog do Prof. Dr. Paulo Cardim nº 582, 22 de maio de 2023

Educação & trabalho em tempos atípicos

À procura de novidades para a educação contemporânea, dei-me com um artigo sobre Tempos de trabalho atípicos e temporalidades humanas : a necessidade de uma abordagem interdisciplinar em ergonomia, escrito por Charles Gadbois, publicado há 30 anos. Charles Gadbois (1937/2019) era doutor em Psicologia e diretor do Centro Nacional de Investigação Científica (Centre National de la Recherche Scientifique − CNRS), o maior órgão público de pesquisa científica da França, com sede em Paris, e uma das mais importantes instituições de pesquisa do planeta.

Trata-se de documento publicado nas Atas do colóquio “Recherches pour l’ergonomie” (Pesquisa em ergonomia), realizado em 1993 na Universidade de Toulouse Jean Jaurès (Recherches pour l’ergonomie, 1993). A segunda e última edição das jornadas de Toulouse aconteceu em 1998, intitulada “Recherche et ergonomie“. Esta mudança de preposição (pour/et – para/e) não é obviamente insignificante na forma de pensar o lugar e o papel da ergonomia na produção do conhecimento científico. Afinal, estas jornadas de investigação para/e/em ergonomia não perduraram, talvez refletindo a dificuldade da comunidade em chegar, nesse momento, a um consenso para reconhecer a ergonomia como uma disciplina científica por direito próprio.

O artigo aqui referenciado é uma análise sobre as abordagens de Charles Gadbois, de autoria de Sophie Prunier-Poulmaire e Béatrice Barthe − «Tempos de trabalho atípicos e temporalidades humanas : a necessidade de uma abordagem interdisciplinar em ergonomia», Laboreal (*).

As autoras afirmam que a constatação feita nos anos 90, continua válida nestes tempos de mudanças radicais. A globalização tem tido um efeito multiplicador. Estamos num mundo em continuado movimento, “o das 24h/24h, 7 em 7 dias por semana”. Fato que nos leva, educadores, a refletir sobre o tempo de trabalho acadêmico e profissional, mais do que nunca moldado por esses “imperativos incontornáveis”.

Charles Gadbois, como acentuam Sophie e Béatrice, defende que “ergonomia é uma ciência interdisciplinar que gera um ponto de vista específico e novo sobre o trabalho e, mais precisamente, sobre a atividade dos homens e mulheres no trabalho, os seus determinantes e as suas consequências”.

No Brasil, ao contrário dos países mais evoluídos política, social e economicamente, além da legislação educacional emanada dos órgãos públicos dos diferente e diversos sistemas de ensino, temos a rígida legislação sobre profissões, direitos e deveres, incluindo um tribunal especial para dirimir as dúvidas entre empregadores e empregados. Acrescente-se a essa parafernália os instrumentos de avaliação, por exemplo, da educação superior, com indicadores e critérios de análise, no mínimo, simplistas, fato que pode conduzir a constatações não condizentes com a realidade operacional.

A desregulamentação progressiva e a variação continuada no mundo do trabalho, da economia e do empresariado estão a reclamar análises aprofundadas dessa temática na área da educação de responsabilidade da livre iniciativa, como é o caso do ensino a distância ou semipresencial/híbrido, direitos autorais, medição do efetivo trabalho acadêmico docente.

Entre esses novos desafios temos, ainda, a aplicação ao processo educacional das tecnologias digitais de informação e comunicação, inteligência artificial (IA), robotização, metaverso, ao lado das facetas peculiares às novas profissões e as mutações concorrentes nas tradicionais formas de trabalho. As temporalidades noturnas em favor de um controle remoto que não requer presença de modo permanente; como adaptar o ritmo de trabalho entre o ser humano e os robôs.

Nas premonições dos investigadores sobre o futuro da educação, às vezes são esquecidos pessoas, coisas, trabalho, corporações, regras rígidas para a educação e o trabalho que ignoram ou não querem cutucar com vara curta os leões que estão latentes nos ditadores de plantão, incrustados nos Poderes da República e em muitos de nós, educadores, educados em formatos diversificados, mas onde imperava, geralmente, o “faça o que eu mando e não o que faço”, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

As novas formas e tempos de trabalho na educação superior estão a exigir de nós, educadores, pesquisas aprofundadas sobre a temática trabalho, ergonomia e felicidade na vida e no trabalho. Utopia? Creio que não. Os tempos estão mudando. O “fundo do poço” por que passam a política, a sociedade, a economia, a justiça neste Brasil continental, “país do futuro”, vai terminar. Para tanto, contudo, nós, educadores, somos um dos responsáveis por criarmos condições favoráveis à formação dos cidadãos e profissionais para que o futuro promissor do Brasil venha com mais rapidez, com a mesma velocidade das mudanças que estão acontecendo no mundo da economia, do trabalho, da educação.

 

(*) [Online], Volume 17 Nº2 | 2021, postado online no dia 1º dezembro 2021, consultado o 19 maio 2023. URL: http://journals.openedition.org/laboreal/18054; https://doi.org/10.4000/laboreal.