Blog do Prof. Dr. Paulo Cardim nº 576, 10 de abril de 2023

CEE/SP: decisão submissa à Constituição

O Conselho Pleno do Conselho de Educação do Estado de São Paulo, com a relatoria de vinte dos atuais 24 conselheiros, decidiu, em 5 deste mês, não se submeter à Portaria nº 627, de 4 de abril de 2023, publicada no mesmo dia 5, que suspende os prazos estabelecidos pela Portaria MEC nº 521, de 13 de julho de 2021, que instituiu o Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio.

Esse ato do CEE/SP, com ampla justificativa, fundamentada em dispositivos constitucionais e atendendo aos princípios de legalidade, tem a seguinte conclusão:

“2.1 Diante da competência legal conferida e das considerações acima expostas, este Conselho Estadual de Educação orienta as redes públicas e instituições privadas, vinculadas ao Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, que portarias ou manifestações oriundas do Ministério da Educação não podem extrapolar as competências constitucionais e legais determinadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, em especial, a Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prevê a competência para que os Estados – e não a União – organizem seus respectivos Sistemas de Ensino. (gn)

“2.2 Ficam mantidos os prazos e cronogramas de Implementação do Novo Ensino Médio nas redes e instituições que pertencem ao Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, nos termos da Deliberação CEE 186/2020, de 3 de agosto de 2020, que fixa normas relativas ao Currículo Paulista do Ensino Médio para a rede estadual, rede privada e redes municipais, instituições vinculadas ao Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, e dá outras providências, em seus Capítulos IV e V. (gn)

“2.3 Reconhecer o mérito da reforma do Ensino Médio e manter a decisão de avançar com suas premissas e diretrizes, não significa ignorar eventuais problemas na sua implementação ou mesmo a necessidade de redesenhá-la em alguns aspectos, no sentido de seu aprimoramento permanente.” (gn).

A Deliberação CEE nº 101/2010 previa situações como a trazida pela portaria ministerial que suspende a implementação do novo ensino médio.  O ato do CEE/SP dispõe sobre a aplicabilidade, ao sistema estadual de educação, de leis e decretos federais e demais normas emanadas dos órgãos vinculados ao Ministério da Educação. E determina que a obrigatoriedade de atendimento das leis e decretos federais e das normas emanadas do Ministério da Educação pelas instituições de ensino vinculadas ao sistema estadual paulista é “indicada pelo Conselho Pleno”.

Entre as justificativas para a sua decisão, os relatores abordam os aspectos altamente positivos do chamado “Novo Ensino Médio”. Ele “abre a possibilidade de ofertar aos alunos um currículo dinâmico e não enfadonho, sintonizado com seus anseios e projeto de vida; inspirou-se em modelos de reforma educacional adotados em outros países, como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia. Esses países – bem ranqueados no sistema de avaliação internacional da educação – têm sistemas de ensino que buscam promover uma formação mais integrada, interdisciplinar e flexível, capaz de atender às demandas do mundo contemporâneo, além de priorizar num de seus itinerários formativos o ensino profissionalizante. Sabe-se que, no Brasil, apenas 9% dos alunos concluem a educação básica com um diploma do curso técnico, enquanto a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – é 38%. No Reino Unido e Áustria o percentual ultrapassa 60% e nos Estados Unidos e na Alemanha chega a 50%. Na França, o equivalente ao nosso ensino médio é mais focado na formação profissionalizante, com possibilidade de uma especialização a partir das escolhas dos alunos.

É oportuno realçar as deliberações do Conselho Nacional de Educação (CNE), pela Câmara de Educação Básica (CEB) e pelo Conselho Pleno (CP), homologadas pelo Ministro de Estado da Educação, que dispõem, especificamente, sobre o “Novo Ensino Médio” e sua implementação, tais como, a Resolução CNE/CP nº 4, de 17 de dezembro de 2018, que institui a Base Nacional Comum Curricular na Etapa do Ensino Médio (BNCC-EM), como etapa final da Educação Básica, nos termos do artigo 35 da LDB, completando o conjunto constituído pela BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, com base na Resolução CNE/CP nº 2/2017, fundamentada no Parecer CNE/CP nº 15/2017, que “atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, a serem observadas pelos sistemas de ensino e suas unidades escolares na organização curricular, tendo em vista as alterações introduzidas na Lei 9.394/1996 (LDB) e pela Lei 13.415/2017”;  Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, com fundamento no Parecer CNE/CP nº 17/2020, não identificado no portal mec.gov.br.

A decisão do Conselho de Educação do Estado de São Paulo é, sem dúvida, uma posição que pode ser seguida pelos conselhos de educação dos demais entes federados. Não se trata, creio, de qualquer ato de insubmissão às portarias ministeriais do MEC, mas de não adiar, indefinidamente, o desenvolvimento de atos cansativamente debatidos e, posteriormente, deliberados pela maioria absoluta da Câmara de Educação Básica e do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação e homologados pelo Ministro de Estado da Educação. Não foram decisões político-partidárias, mas de Estado.

Trata-se de uma decisão do CEE/SP submissa à Constituição. Parece surpresa, em tempos em que a Constituição de nossa República está sendo desdenhada em algumas instâncias por ela criadas.