Blog do Prof. Dr. Paulo Cardim nº 569, 20 de fevereiro de 2023

IA: a robotização da educação

Erich Fromm, há 55 anos, afirmava que “a sociedade atual (1968) está completamente mecanizada.  Está dedicada à máxima produção e consumo de materiais e dirigida por computadores.  Como seres humanos, não temos outras metas senão produzir e consumir cada vez mais” (The Revolution of Hope: Toward a Humanized Technology – A Revolução da Esperança -,1968).

Passados pouco mais de meio século, a situação é parecida.  A robotização da educação está especialmente centrada na produção e num ensino pasteurizado, simplificado, empobrecido, vulgarizado para ser consumido pelo público, em particular, pelos educandos. Não querem testar em um público voluntário recursos como Metaverso (onde você é um avatar), ChatGPT, IA (Inteligência Artificial), robô.  O educando é cobaia nessa ânsia de “sair na frente” – quem sai na frente pode ser o último a chegar. Não se avalia previamente o que está ocorrendo no planeta com o uso desses recursos das TDICs indiscriminadamente.

Muitas IES que operam na educação superior estão banalizando o uso da Inteligência Artificial (IA), artifício lamentável para cortar custos em busca do lucro, vindo de onde vier, com imenso prejuízo para a qualidade efetiva do ensino ministrado, assim como substituir grande parte do corpo docente por robôs e cenários virtuais.  Em lugar da realidade a virtualidade, sem qualquer avaliação prévia desses instrumentos virtuais e os reflexos na produtividade educacional. Produtividade esta, da aprendizagem ao prover o educando com as competências e habilidades exigidas nesta nova era, o século 21. Aumentar a produtividade nos cursos superiores é um desafio que, necessariamente, não passa pela IA e outros apetrechos virtuais.

Há videntes, ciganos, palpiteiros “premonizando” o futuro da educação superior. Praticamente todos abordam a evolução tecnológica como instrumento para esse nível educacional, passeando despreocupadamente pelos recursos das TDICs, com mudanças vertiginosas jamais vistas na história.  A geração digital ou Z, que praticamente já nasce com smartphone ou tablet nas mãos, talvez – sim, talvez – esteja em melhores condições para digerir a educação virtual.

A plataforma hub ou ERP, por exemplo, tem bom uso pelo comércio.  Pode ser usada no processo educacional? Quais as vantagens, as possibilidades?  Temos, antes de implementar, testar e avaliar.

Marco Antonio de Lima, em seu trabalho acadêmico “Inteligências, para além da artificial: habilidades a serem desenvolvidas nesse tempo de transformações tecnológicas”, conclui, após análise crítica do tema, que “o progresso tecnológico só poderá ser chamado como tal, quando for capaz de levar em conta as necessidades mais elementares da vida humana, ou seja, é preciso que governos, sociedade civil, academia contribuam com esses avanços e discutam suas consequências, e não se tornem apenas meros usuários passivos e isso só será possível quando os cidadãos tenham desenvolvido capacidades de pensar, agir, discernir”. (Seminário sobre Universidade e Formação Científica, v. 4, out. 2019, Passo Fundo/RS). (gn)

Desenvolver no educando as capacidades de pensar, agir, discernir, distinguir o real do digital em tecnologias como o Metaverso, por exemplo, parece ser razoável antes da implantação das avançadas TDICs, objetivo desta postagem.

Esse tema já venho abordando há vários anos, como na postagem do Blog da Reitoria nº 341, de 30 de abril de 2018 – Educação superior no século 21: fim das IES?

Nesse artigo tomava de Kevin Carey algumas críticas sobre a educação superior.  Kevin Carey é bacharel em Ciência Política pela Binghamton University, localizada no Estado de Nova Iorque, em Binghamton, e mestre em Administração pela Ohio State University, com sede em Columbus, Ohio (EUA).  Atualmente é vice-presidente de políticas educacionais e gestão do conhecimento e diretor do programa de política educacional da New America.  Ele escreve regularmente para o The New York Times e é seu editor convidado. É considerado “um dos maiores especialistas em educação superior”. Lançou, em 2015, pela New America, o controverso livro The End of College: Creating the Future of Learning and the University of Everywhere.  Em português – O fim da faculdade: criando o futuro da aprendizagem e a universidade de todos os lugares. Leia-se “faculdade” como instituição de ensino superior (IES) – faculdade e congêneres, centro universitário, universidade.

Ele afirmava acreditar que a redução do número de faculdades será muito maior nos próximos 30 anos do que nos 30 anteriores, e aquelas que sobreviverem precisarão mudar seus modelos organizacionais fundamentalmente.  “É isso que quero dizer com “O Fim da Faculdade ” − o fim das faculdades como as que conhecemos há aproximadamente 140 anos”, afirma o escritor. (gn)

O fim das aulas meramente expositivas, juntar a teoria à prática, o uso racional e responsável das TDICs.  Desenvolver testes antes da implementação dessas tecnologias, das metodologias ativas de aprendizagem.  Capacitar docentes e discentes nessas metodologias.  O professor-orientador não deve “dar aulas”.  Não é mais um transmissor de informações, mas um provocador, orientador de conhecimento, com a participação ativa dos educandos.  Novos ambientes de aprendizagem presenciais e a distância (EAD) podem ser desenvolvidos, após testes em educandos voluntários.  Mas o desenvolvimento de capacidades de pensar, agir, discernir é tarefa preliminar, indispensável.  A geração Z ou digital sabe usar os mais avançados recursos das TDICs. Contudo, falta-lhes, em grande parcela desses educandos, princípios de trabalho em equipe, convivência no presencial, no lar, na escola, no trabalho.  São produtivos, mas poderão render muito mais no processo de aprendizagem se forem estimulados a agirem coletivamente e de forma colaborativa.

Rui Fava, ex-dirigente de grandes grupos educacionais, como a Krotun, e ex-reitor da Unopar, no livro Trabalho, Educação e Inteligência Artificial:  A Era do Indivíduo Versátil, e em entrevista à mídia digital, estimula professores, pais e educandos a incentivarem professores, pais e alunos a enfrentar e a assumir a liderança na busca da  “transformação social por meio da reinvenção da escola”.  Ele propõe “uma reflexão sobre as novas tecnologias e as habilidades necessárias para o profissional do futuro”, como  “adaptar-se às invenções impelidas pela inteligência artificial”.  Defende que “a escola é o grande pilar na construção do presente e no aperfeiçoamento do futuro”.  A educação deve ser a pioneira em trabalhar continuamente pela melhoria de qualidade dos serviços ministrados aos educandos.  Pode e deve usar os recursos avançados das TDICs somente após os testes preliminares. Não deve, todavia, robotizar a educação, um processo que envolve latentes potenciais portados pelos educandos, a ser desenvolvido gradualmente, com acompanhamento, avaliação permanente, supervisão e correção de rumos, estratégias, ações e metas sempre que se identificar fragilidades, fortalecendo as potencialidades. 

Deve-se entender que “qualidade” é um conceito subjetivo.  Porém, podemos ligá-la a atributos, valores, necessidades e percepções e resultados positivos na concepção do educando. Aprendizagem eficaz e eficiente.  O ensino pode usar todas as capacidades do corpo docente e das tecnologias, mas se o aluno não tiver aprendizagem exitosa “nada feito”.  Tempo perdido, jogado fora.

A percepção do educando é relevante para qualquer programa ou projeto que pretenda reformar ou revolucionar uma IES em tempos de Educação 4.0.  Muitos já falam em educação 5.0 quando sequer estamos plenamente realizados em padrões de qualidade, na busca da consolidação e perenidade institucional.

Como afirmei na postagem de 2018, vivemos tempos de uma virada inédita, que vai definir a consolidação e perenidade de cada IES.

Reafirmo que o #timebelasartes trabalha, continuamente, para a consolidação e perenidade de nosso Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, uma instituição quase secular – 98 anos em 2023 -, com a adoção de medidas sucessivas e graduais na busca incansável pela qualidade para o processo de aprendizagem, tendo por objetivo central o educando, princípio, meio e fim de nossa razão de ser.