Blog da Reitoria nº 595, 21 de agosto de 2023

TDICs & acolhimento na educação superior

As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) assumem, nesta terceira década do século 21, uma relevância exagerada para a educação superior e até para a educação básica. Cursos parece uma commodities, usando uma terminologia que se aplica às ciências econômicas, ao mercado. O “mercado” educacional assimilou essa teoria ao adotar quase que exclusivamente as TDICs como instrumento de intermediação da aprendizagem na educação superior.

Na educação integral do ser humano deve haver uma rede de relacionamentos: docentes, discentes, famílias, organizações da livre iniciativa ou públicas que acolham estagiários dos cursos ofertados. A complexidade dessa rede é um desafio para gestores acadêmicos, professores, funcionários técnicos e auxiliares administrativos. As redes sociais podem ser um veículo de aproximação, mas não se dispensa o relacionamento presencial, diria: mais humano. Não há um manual. Esse relacionamento é construído no dia a dia do fazer pedagógico. Na teoria é fácil. O mundo está cheio de teóricos. A prática, contudo, é uma espécie de labirinto. Algumas IES conseguem mais rápido, outras levam mais tempo. O importante é não desistir aos primeiros desvios de rotas. Errar é humano é um ditado popular; persistir no erro é burrice educacional. A solução pedagógica é aprender com o erro. Avaliações periódicas, permanentes desse processo são indispensáveis.

Rui Fava, doutor em Ciências da Educação, sócio-fundador da Atmã Educar e autor de vários livros sobre educação, publicou, recentemente, o artigo “Terceiros Lugares – (Casas longe de casa)”, que trata do acolhimento do educando de forma mais explícita:

“VUCA e BANI são siglas que se complementam demonstrando a vulnerabilidade do momento em que vivemos. VUCA − Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade e BANI − Frágil, Ansioso, Não linear, Incompreensível − é uma forma de enquadrar um mundo de caos, descreve o que ocorre quando o mundo VUCA se quebra. Tudo isso, causado pela incrível evolução da tecnologia digital cognitiva. Sendo isso uma verdade, negar o impacto das tecnologias nas escolas, no trabalho, no cotidiano das pessoas é um absurdo. Esses imbróglios e vulnerabilidades, faz com que os cotidianos das pessoas se transmutem”.

E cita o sociólogo norte-americano Ray Oldenburg, autor do livro The Great Good Place: Cafes, Coffee Shops, Bookstores, Bars, Hair Salons, and Other Hangouts at the Heart of a Community (O grande lugar bom: cafés, cafeterias, livrarias, bares, salões de beleza e outros pontos de encontro no centro de uma comunidade, que defendia: para uma existência saudável nesse mundo) VUCA − Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity (Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade) − e BANI − Brittle, Anxious, Non-linear, Incompreensible (Frágil, Ansioso, Não linear, Incompreensível −, os cidadãos devem viver em um equilíbrio de três reinos: a vida em casa, no lar (primeiro lugar); no local de trabalho (segundo lugar); e nos ambientes sociáveis e de aprendizagem, nas escolas (terceiro lugar).

Uma provável resposta à questão pode estar no quesito qualidade, defendida pelo educador belga, chefe do Centro de Investigação em Educação e Inovação da OCDE Dirk van Damme (1956): “A excelência fornece condições para que se resolvam as demandas do futuro”. O fato é que para chegar a essa excelência o caminho é árduo, labiríntico, fatigante. As instituições de ensino devem ultrapassar um quinhão de obstáculos: terem noção de que não são mais as únicas detentoras do conhecimento; extinguirem ou minimizarem as herméticas desconexões entre o universo do estudante, a escola e o valor da educação para a sociedade; terem percepção do mercado de trabalho e das TDICs; serem reconhecidas pela quantidade de estudantes que incluem e não a evasão; construirem sistemas, modelos acadêmicos adequados, coerentes.

A partir da teoria de Oldenburg, o lar é uma experiência privada (primeiro lugar), o trabalho é uma experiência social formal e estruturada (segundo lugar) e o ambiente de aprendizagem na escola (terceiro lugar). No terceiro lugar os locais de aprendizagem devem ser mais relaxados, uma estratégia saudável para enfrentar o mundo BANI. A adoção dos três conceitos de Oldenburg no ambiente acadêmico é uma revolução viável para a educação presencial; na EAD pode-se usar o ambiente virtual, as plataformas e as redes sociais. Os locais de convivência podem ser mais atraentes, agradáveis possibilitando a geração de relacionamentos saudáveis, um terceiro lugar.

Assim estaremos desenvolvendo fora da “sala de aula” alguns pilares da educação para o século 21, recomendados pela Unesco. Aprender a conviver é considerado pela própria Unesco “um dos pilares da educação mais difíceis de ser praticado em uma sociedade tão diversa quanto a nossa”. Trata-se de cenário cada vez mais polarizado, no qual é “extremamente complexo criar indivíduos que saibam viver e conviver com as diferenças”. O terceiro lugar pode incentivar a colaboração e a convivência harmônica entre os mais diferentes indivíduos. Isso pode contribuir para um ambiente mais fraterno, complementar ao processo de aprendizagem.

Mais um tema para diálogos entre os educadores, profissionais que devem contribuir significativamente para o êxito da aprendizagem, na formação integral de educandos conscientes do exercício da cidadania e do trabalho escolhido e a ser desenvolvido.