Sinaes & avaliação da educação superior
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) faz, neste 2024, vinte anos. A Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, dispõe que o Sinaes tem por objetivo “a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional”. Uma proposta audaciosa.
O Sinaes, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de desempenho dos estudantes, deverá assegurar:
“I – avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos;”, além de “respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos”. Essa é uma promessa jamais cumprida. Os instrumentos de avaliação in loco são idênticos para todo tipo de instituição de educação superior (IES), do “Oiapoque ao Chuí”, da faculdade à universidade, da IES sediada na cidade de São Paulo ou na Serra da Saudade (MG). O Instrumento de Avaliação pode ter algum indicador de qualidade específico, mas não caracteriza o cumprimento íntegro dos “princípios de legalidade”.
A avaliação dos cursos de graduação (art.4º) “tem por objetivo identificar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, em especial as relativas ao perfil do corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica”. No Instrumento de Avaliação de Curso acontece o mesmo.
E temos o Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) para a “avaliação do desempenho dos estudantes dos cursos de graduação”. É o único no mundo. Não existe nada igual nos países mais desenvolvidos em educação superior em todo nosso planeta. E o Enade carrega um “instrumento destinado a levantar o perfil dos estudantes, “relevante para a compreensão de seus resultados“. (gn)
Mas, em 2007, o Inep, mediante “Nota Técnica”, criou dois “indicadores de qualidade” à margem da Lei do Sinaes, sem atender aos princípios de legalidade”: o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Indicador Geral de Cursos (IGC). Este substitui a avaliação Institucional in loco. Mas o ministro da Educação, Fernando Haddad, apoiou e editou a famosa Portaria nº 40/2007, validando a NT do Inep.
O professor José Dias Sobrinho criticou o Inep e o Enade por conferirem um papel central aos dados do Enade no estabelecimento do CPC e do IGC. Ele argumenta que a intenção inicial do Enade era a avaliação de cursos, mas acabou se tornando um critério central para o “rankeamento” das instituições de ensino superior (IES), o que ele considera problemático.
Mas o “instrumento destinado a levantar o perfil dos estudantes, “relevante para a compreensão de seus resultados“, foi transformado em um dos insumos para construir o CPC. Ele exige que o estudante avalie a IES. Mas as IES não têm direito ao contraditório nem à ampla defesa, como reza a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
O Sinaes criou a Comissão Nacional de Avaliação Superior (Conaes) da qual fui membro por dois mandatos, ocupando o cargo de presidente (Art. 6º). Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação e vinculada ao Gabinete do Ministro de Estado, a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – Conaes, órgão colegiado de coordenação e supervisão do Sinaes, com as atribuições de: “I – propor e avaliar as dinâmicas, procedimentos e mecanismos da avaliação institucional, de cursos e de desempenho dos estudantes; II – estabelecer diretrizes para organização e designação de comissões de avaliação, analisar relatórios, elaborar pareceres e encaminhar recomendações às instâncias competentes; III – formular propostas para o desenvolvimento das instituições de educação superior, com base nas análises e recomendações produzidas nos processos de avaliação; IV – articular-se com os sistemas estaduais de ensino, visando a estabelecer ações e critérios comuns de avaliação e supervisão da educação superior; V – submeter anualmente à aprovação do Ministro de Estado da Educação a relação dos cursos a cujos estudantes será aplicado o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE; VI – elaborar o seu regimento, a ser aprovado em ato do Ministro de Estado da Educação; VII – realizar reuniões ordinárias mensais e extraordinárias, sempre que convocadas pelo Ministro de Estado da Educação”. Nada disso funciona. Teria sido melhor deixar essa competência no Conselho Nacional de Educação (CNE).
Ante todas essas questões, creio chegou que chegou o momento da metaavaliação do Sinaes. Esse, ao completar vinte anos de existência, deve ser submetido ao processo de avaliar a própria avaliação desenvolvida pelo Inep. Trata-se de análise crítica e sistemática dos métodos, processos e resultados de uma avaliação com o objetivo de assegurar sua qualidade, precisão, eficiência e eficácia. A metaavaliação busca identificar fragilidades e os pontos fortes na avaliação original e sugerir melhorias para futuras avaliações.
Esse é um desafio para o ministro da Educação. Creio que se ele se debruçar sobre esse sério problema que abala a educação superior chegará à conclusão da indispensável metaavaliação imediata do Sinaes.